sexta-feira, fevereiro 10, 2006

Sociedade secreta de alguma idade


Acordam quando o sol ainda boceja. Começa aí mais uma jornada de preparação para a secreta reunião que se dá num recôndito mercado da grande lisboa. Os membros desta comunidade começam por retirar os seus belos fatos guardados para ocasiões especiais cujo cheiro a naftalina se encontra entranhado, mas nada como o disfarçar com uma água de colónia comprada nos saldos do recente Verão de 1940. Colocam a fatiota toda janota em cima da cama e desajeitadamente, devido ao reumático que já se faz sentir, vão em busca dos sapatos que completam o estilo de galã. Uma engraxadela até brilhar, e ganham de novo vida para mais uma reunião. De seguida procuram cortar os teimosos pêlos que crescem nas orelhas, fenómeno imcompreensível da natureza, procuram as meias com menos buracos, colocam os seus melhores dentes e enceram a careca que ostentam como sinal de orgulho. Uns passos em frente do espelho para nao perder a forma, bengala na mão e boína na cabeça e estão prontos para mais uma bela tarde.Perguntam vocês aonde eles se dirigem? Hoje é dia de mais uma reunião da terceira idade. A sala onde se reúnem dá pelo nome de mercado da ribeira, onde a entrada só é permitida a homens de barba rija e a mulheres maduras. A música já se ouve bem cá do meio da rua entoada por mais um conjunto de "qualidade duvidosa" que desafinadamente faz as delícias dos membros desta sociedade, prevendo-se mais uma tarde bem movimentada. Lá dentro podemos distinguir as diversas espécies que compõem esta sociedade:por um lado temos os mirones que encostados ao balcão, trazendo previamente de casa os seus óculos de ver ao longe, observam as senhoras que vagarosamente se movimentam por aquela sala ao som de música dita "popular portuguesa"; depois temos umas cadeiras onde os mais tímidos se sentam e se embrenham em complexos pensamentos "será que a convido para um pezinho de dança? e se ela depois repara que eu sou coxo e nao quer nada comigo..é melhor não ir.."; e por último os galãs que disputam as senhoras entre si, dançando pela sala, qual ritual de acasalamento, levando-as a soltar largos suspiros, enquanto estes se degladiam em ferverosos duelos onde a bengala é lei. Cá fora dois seguranças vigiam a entrada, não a permitindo às crianças menores de 60 anos, que não estão preparadas para um evento tão grandioso como este. No fim da tarde tudo acaba, entre caras tristes pelas derrotas nos duelos e por mais uma tarde de pouca sorte, e outras mais risonhas pelas recentes conquistas e pela sorte os ter bafejado, voltam às suas casas e ao sofá que os espera de braços abertos, indo a pensar em novos piropos e técnicas para o dia seguinte.. E assim é o dia-a-dia no seio desta comunidade secreta, em que se revivem os velhos tempos e se recupera a alegria de viver.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Um pacote de batata frita

Já alguma vez, assim por acaso, num período "morto" da vossa existência, pararam para pensar como se desenrola a "vida" (?) de um pacote de batata frita? É algo que nos pode encher de compaixão, de ternura e até mesmo fazer-nos desistir de atacar de forma selvagem tão delicioso repasto.
Tudo começa com o cultivo: o deitar das sementes na terra; o tratamento cuidado para que todo o processo corra da melhor forma; até que o produto começa a surgir, forte e viçoso, preprando-se para o seu destino cruel. Dá-se a colheita e as batatas seguem para o complexo industrial onde serão impiedosamente descascadas, cortadas, entre outras torturas que até tenho pena de referir...
Entretanto submetem-nas ao terror: a fritura em óleo. Aquele óleo viscoso, sujo, imundo, mas que para o banal ser humano é algo de mítico. São empacotadas sem qualquer misericórdia e seguem para o posto de venda: um qualquer supermercado, área de serviço ou outro qualquer estabelecimento por esse mundo fora.
É aí, então, que se dá o momento crítico. Elas sabem, dentro do seu ilustre pacote, que a sua vida irá ter uma curta duração. Se não sabem, pelo menos desconfiam... (espero eu, coitadas!) A qualquer momento poderá chegar um indivíduo com uma fome insaciável e definir o destino final das nossas amigas: um estômago medonho, mas não sem antes, como é óbvio, serem torturadas (mais uma vez!) por dentes mal lavados, cheios de escorbuto ou outra peste perigosa. Findo o processo de deglutição, a casa que acolheu estas nossas amigas nos curtos instantes da sua vida - o pacote - é largado a céu aberto, sem comiserações nem sentimentos de culpa. Depois o transeunte assiste à poluição ambiental, visível aos olhos de todos.
Peço desculpa por esta tortura visual em forma de post, mas apoderou-se de mim uma compaixão pela "vida" destes "seres" e das suas respectivas "habitações". Aproveitem e percebam o que uma espera de 15 minutos pelo comboio pode provocar nas pessoas. Bastou-me ver um pacote a esvoaçar pela linha e deu nisto...
Batam-me, esfolem-me, mas deixem-me vivo, se faz favor.

A Gerência agradece.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Condecorações, distinções e afins

Nos últimos dias tem-se registado - numa semelhança ao famoso baby boom - uma explosão do número de condecorados pelo Presidente da República. Eu próprio, que até o tenho em boa conta, encaro esta situação com algum espanto (ou nem tanto).
José Mourinho, Belmiro de Azevedo e Bill Gates foram apenas alguns dos nomes que Jorge Sampaio teve todo o prazer em distinguir. Confesso ainda alguma (muita, no caso de Bill Gates) admiração pelo trabalho desenvolvido em cada uma das áreas correspondentes, mas não exageremos! A propósito desta onda condecorativa, um comentador da RTP - cujo nome não me recordo - manifestou-se da seguinte forma: "Isto acaba até por ser uma desvalorização das poucas personalidades que realmente merecem estas distinções, como Bill Gates, visto que nos últimos dias qualquer pessoa que esteja num raio de 1km do Palácio de Belém é automaticamente "sugada" para ser premiada". E digo eu que a imagem até é relativamente interessante.
Entretanto, e seguindo o tom contestatário que pretendo neste post, tenho-vos a dizer que já pedi que retirassem o meu nome da lista dos condecorados. Porque raio hei-de estar junto do Zé do Talho ou do Manel dos Telemóveis? Naaaa, muito baixo para mim! Sugiro-vos que façam o mesmo e evitem a propagação desta peste conhecida como "febre-condecora-tudo-e-todos-no-final-do-mandato": é uma doença perigosa e transmite-se de presidente para presidente através da cadeira de Chefe de Estado.
A solução passa simplesmente por enviarem um email à Presidência da República requerindo a vossa exclusao da pretensa lista de galardoados. Não esquecer, no entanto, a obrigatoriedade de não circular num raio inferior a 2km do Palácio de Belém, pois qualquer tipo de aproximação do edifício pode anular o efeito do email.

Ok, eu estou doente e isto pode parecer tudo muito surreal. Posso até estar a exagerar, mas se olharmos com atenção para este fenómeno veremos que o caso é bem mais bicudo do que parece. Daqui a pouco tempo o posto mudará de dono mas a história será a mesma, pelo menos no que concerne esta fantochada das condecorações. Só não consigo imaginar o Cavaco Silva a receber o Bill Gates no Palácio de Belém. Ou melhor...não consigo imaginar o Bill Gates a perceber uma única palavra do que diz o Cavaco sem um intérprete, mas pronto...